segunda-feira, 20 de abril de 2015

GALVEIAS

Esta reunião do Clube de Leitura teve a sua originalidade: parecia mais um encontro gastronómico do que propriamente a discussão de um livro. Passo a explicar - a dona da casa onde nos reunimos, entusiasmada com a leitura onde por vezes o autor refere a culinária alentejana, sendo também ela alentejana de gema, vai de cozinhar umas migas com entrecosto pró "lanchinho", onde também não faltaram os queijos e os enchidos, para lá de vários doces e petiscos. Bom, mas enquanto saboreávamos a deliciosa refeição "ajantarada", acabámos por concordar que José Luís Peixoto faz aqui uma extraordinária homenagem à sua terra (Galveias, como o título do livro indica) e suas gentes. 

De algum modo fez-me lembrar Manuel da Fonseca, no livro de contos lido recentemente. A estrutura em contos ou capítulos difere, mas o todo de personagens e das suas histórias, do modo como se entrecruzam e derivam, não. O que difere realmente é a época, já que a ação de "Galveias" decorre entre janeiro e setembro de 1984, enquanto "Aldeia Nova" foi escrito mais de 50 anos antes. Mesmo assim, e dadas as devidas diferenças históricas e culturais, há ali um je-ne-sais-quoi de mentalidade "local" que perdura ao longo dessas várias décadas... (e não, não li os dois livros de seguida, embora possa dar essa impressão, uma vez que não referi o Ken Follett e o Urbano Tavares Rodrigues que li de permeio!)

Para ser franca, também não havia muito a discutir, porque a maioria dos elementos do grupo adorou a leitura, bastou recapitular algumas passagens a que achámos mais piada. E concordar que a fotografia da capa do livro era genial. Mas também não se fala muito de boca cheia, né?

Citações:

"O frio e o silêncio existiam ao mesmo tempo e ocupavam o mesmo espaço. Não havia fronteira entre o frio e o silêncio. Às vezes, confundiam-se."

"Joaquim Janeiro apontou várias vezes para esse céu, quando contou a história da coisa sem nome. Ao descrever a noite em que a terra pareceu explodir por dentro, houve homens crescidos a taparem a cabeça com os braços, como se esse gesto os pudesse proteger de um semelhante azar. Os olhos da plateia cresceram com o susto. Mas não se pode temer o céu, é demasiado medo. O céu está sempre lá em cima. Quando se perde confiança na sua flutuação, também o medo passa a ser permanente. Então, ainda que o céu se mantenha, vive-se diariamente o pior da sua queda, até se desejar que caia mesmo para, por fim, acabar com essa dor."

"A porta da igreja Matriz estava aberta, à espera. As mulheres agradeceram o fresco das paredes grossas,do chão de pedra, da sombra e dos ecos do silêncio. A maior parte dos homens ficou na rua: falavam sobre miudezas, agarrados a cigarros ou a lenços com que limpavam o suor. O noivo e o padrinho entraram, claro. Mal pôs um pé na sacristia para dar aviso de chegada, João Paulo sentiu o bafo do padre: vinho tinto fermentado e halitose. O Catarino entrou logo depois e, juntos, assistiram à forma como o padre se emaranhou em si próprio, tentando enfiar a batina, mas sem acertar no buraco da cabeça."

*******
A próxima sessão do Clube de Leitura ficou marcada para dia 27 de junho, com o livro de Orhan Pamuk, "Neve".

26 comentários:

  1. Tenho boas expetativas para este do JLP. Ainda não li o "Abraço", que está na prateleira e provavelmente ficará por mais uns tempos, porque quero passar o "Galveias" para a frente. :)
    Assim dá gosto marcar essas leituras conjuntas, Teté! Até já fiquei com água na boca. :p
    Beijinhos

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    1. Pois, TONS DE AZUL, ainda tenho Abraço e o outro da viagem à Coreia do Norte para ler. Desta vez calhou assim, a dar para a comezaina... :)

      Beijocas

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  2. Que leste de Urbano?

    Li duas vezes "Os Bastardos do Sol " e quase toa a sua obra.

    Quanto a Peixoto , depois da crónica violentissima e injusta que escreveu na "Visão" contra a geração que lhe deu a liberdade fazendo o 25 de Abril, lamento muito mas recuso-me a ler seja o que for dele...

    Boa semana e beijufas :)

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    1. Um livro que em tempos deram com uma revista, SÃO: de um lado é prosa, do outro lado é poesia. "O Eterno Efémero" é o título do livro de prosa, que por sinal tem um enredo policial - gostei,no geral, mas não é exatamente uma obra-prima...

      Não li essa crónica,mas gostava de ler. Se deixasse de ler escritores dos quais discordo, acho que não tinha muito por onde escolher - pelo menos daqueles escritores dos quais conheço opiniões,porque de muitos não sei rigorosamente nada... ;)

      Boa semana e beijocas!

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    2. Tens razão, mas se não sei as opiniões ,não posso fazer nada,,,mas quando sei - e embora não seja tão radical como pessoas que sei - não lhes dou dinheiro a ganhar.

      É o caso de Lobo Antunes, que é uma besta capaz de agredir e humilhar gratuitamente e eu tive o desprazer de saber isso numa sessão de autógrafos.


      Beijinhos, linda. e bons sonhos

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    3. Ah, mas o caso de Lobo Antunes é diferente, porque tanto quanto sei ele detesta essas sessões de autógrafos e não se coíbe nada de mostrar o seu desprazer, de forma até meio insultuosa para os seus leitores, SÃO. Segundo ouvi dizer, que eu nunca lhe pedi um autógrafo. E na feira do livro até costuma mandar uns comentários para o ar e para quem o queira ouvir... ;)

      Beijocas

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    4. Não existem atenuantes para o comportamento da criatura , porque é sempre assim e em todas as ocasiões.

      Eu conheço razoavelmente o percurso dele e então assim o desprazer deve ser o de se relacionar com seres humanos seja em que circunstância for,

      Além disso, ninguém o obriga a dar sessões de autógrafos nem a aceitar convites para dar palestras em Universidades, por exemplo!

      Bom moscatel de fim de semana, já que não aprecias gin, rrrssss

      Beijinhos

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    5. Absolutamente de acordo, SÃO: se não gosta dessas sessões, não as faça. Pelo menos os seus admiradores não ficam tão desiludidos com a sua má criação... :P

      Beijocas

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  3. Anónimo4/20/2015

    Comecei a ler este livro ontem
    Beijinhos e boa semana

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    1. Suponho que vai gostar, CARLOS... :)

      Beijinhos e boa semana!

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  4. Não li o livro e por isso nem li o teu texto. Deste autor comprei o “livro” mas ainda não li. Se gostar desse talvez compre este que que me deixou curioso só pelo título. O meu irmão já leu o “Dentro do Segredo” um livro sobre uma viagem do autor à Coreia do Norte e diz que é um relato impressionante!

    Beijinhos,
    FATifer

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    1. "Livro" também foi o primeiro que li dele, FATIFER. E acho que ele tem vindo a melhorar... Quanto a esse da Coreia do Norte, aqui o maridão também já leu e gostou. Mas eu ainda não lhe peguei! ;)

      Beijocas

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  5. ~ ~ JLP, um menino talentoso que não vivenciou a ditadura...

    ~ ~ Que pena eu não ter ido contigo!
    Adoro comida alentejana, confecionada por mãos da região.

    ~~~ Beijocas desejando uma semana agradabilíssima. ~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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    1. Pois, se calhar também me indignava com a dita crónica, MAJO. Mas daí a deixar de ler os livros dele, pois, nem por isso - sei lá eu se os escritores que leio têm opiniões que se assemelham à minha, ou se são boas pessoas ou execráveis. Quer dizer, pelo menos os mais antigos, os ditos clássicos, devem ter opiniões bem divergentes da minha atual - há coisas que são geracionais!

      É, as mãos dos naturais da região, normalmente cozinham melhor que ninguém... :)

      Beijocas e uma excelente semana para ti também!

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  6. Boas leituras, boas conversas e boas comidas!!!
    Melhor é impossível.
    xx

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    1. É, foi um vários em um bastante feliz, PAPOILA! :)

      xxx

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  7. Do autor só li Livro.
    Haverá oportunidade para ler mais.
    Agora ando a tentar ler Lobo Antunes.
    Não está fácil......
    Beijocas

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    1. Não é fácil, Pedro, mas vale a pena.

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    2. Nunca consegui ler Lobo Antunes, PEDRO. Nem Saramago... ;)

      Beijocas

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    3. Se calhar até vale, EMATEJOCA, mas como ler para mim é um prazer, não me apetece fazer sacrifícios de leitura... :)

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  8. Só em Portugal é que um encontro literário vira a encontro gastronómico!!!

    "Aldeia Nova" de Manuel da Fonseca já se encontra em cima da minha mesinha de cabeceira.

    Li e gostei do romance de Orhan Pamuk, "Neve", ou mais precisamente, adorei todos os romances que li deste autor turco.

    O meu encontro literário já é na próxima sexta-feira, mas sem jantarada alentejana ou alemã.

    Beijocas, agora de Düsseldorf.

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    1. Very tipical, não é, EMATEJOCA?!? Mas olha, ninguém se queixou... :)))

      Do escritor turco ainda não li nada,mas estou curiosa.

      Bom encontro, que já está aí à porta!

      Beijocas para Dusseldorf, então!

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  9. Ainda não li!
    Boas leituras Teté.

    Beijinho

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    1. Boas leituras para ti também, FLOR DE JASMIM! :)

      Beijinho

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  10. O último que li dele foi «Dentro de um segredo: uma viagem na Coreia do Norte» de que gostei apenas pela novidade da Coreia do Norte. Não aprecio muito a sua escrita.

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    1. Também tenho esse para ler, embora não seja muito o meu género de leitura, GRAÇA.Mas o maridão já leu e gostou!

      Quanto à escrita, tenho ideia que tem vindo a aprimorá-la...:)

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Sorri! Estás a ser filmad@ e lid@ atentamente... :)