terça-feira, 22 de janeiro de 2013

1Q84 - volume 1

É sempre um prazer ler um livro assim! Um começo banal: uma mulher dentro de um táxi no meio do trânsito, ouvindo a "Sinfonietta" de Janacek que toca na rádio, com pressa para um compromisso; no capítulo seguinte, as primeiras recordações de vida de um professor de matemática perturbam uma reunião com o seu editor, enquanto este lhe propõe um trabalho inusitado.

Mas à medida que as vivências de Aomame e Tengo prosseguem em capítulos alternados, sem qualquer contacto aparente, descobrimos que afinal as personagens estão longe de ser banais e que em comum têm mais do que a solidão dos seus dias. Tal como uma aranha vai desenrolando um longo fio até tecer a sua teia, assim Murakami tece laboriosamente as malhas do seu enredo, entrelaçando o que inicialmente parecem pontas soltas sem qualquer relevância, até suspeitarmos que não são mera coincidência: uma música, uma reza, uma menina que dá a mão ao seu colega de escola, o desconhecimento (ou esquecimento?) mútuo sobre um grave tiroteio ocorrido apenas três anos antes e amplamente divulgado nos jornais... 

Como se não bastasse, o interesse simultâneo das personagens principais começa a centrar-se numa sociedade comunitária agrícola designada de "Vanguarda", nascida de um núcleo revolucionário esquerdista, mas agora transformada em organização religiosa. Interesse esse derivado dos relatos fantasiosos (?!?) de duas crianças diferentes, fugidas da dita organização, que dão conta de um mundo paralelo que se cruza com o real, onde coexistem duas luas no céu e povoado por um misterioso Povo Pequeno, que quase ninguém consegue ver! Mas porque é que uma professora de artes marciais - e assassina nas horas vagas - e um professor de matemática que reescreve um livro contra todas as normas de ética editorial (japonesa*) pretendem desvendar o que se passa realmente na "Vanguarda"? 

487 páginas que se leem sofregamente, graças à deliciosa escrita do escritor japonês e a temas tão atuais como o de controversas seitas religiosas, a violência de homens sobre mulheres e crianças ou a justiça  fora da lei. Onde não faltam também múltiplas referências musicais, como é hábito do autor, e algumas literárias, nomeadamente a Orwell, Tchékhov, Dickens ou Shakespeare.

ADOREI! Mas em tratando-se de uma trilogia, o chato é que a continuação da leitura vai ter de aguardar: tanto porque ainda não comprei o volume 2, como porque o próximo livro na "calha" será o do Clube de Leitura, cuja sessão foi adiada para dia 2 de fevereiro.

* Nota - Não me parece que em Portugal escrever um livro ditado por alguém ou reescrito a partir de um rascunho envolva problemas de ética, havendo acordo de parte a parte, como é o caso em "1Q84". Se bem entendi...

Citações:
"As coisas não são assim tão simples no mundo dos mais pequenos - observou ela, com um suspiro. - Só por seres diferente, há sempre quem te ponha de parte e te exclua das brincadeiras.  De resto, passa-se o mesmo no mundo dos adultos, só que no das crianças acontece de uma forma muito mais direta."

"- E roubar a história às pessoas é o mesmo que roubar-lhes parte de si próprias. É um crime." 

"- É como um massacre histórico.
- Massacre?
- Os responsáveis são sempre capazes de racionalizar as suas ações, e chegar mesmo a esquecer o que fizeram. Podem afastar-se de tudo aquilo que não querem ver. Mas as vítimas sobreviventes não podem esquecer, nunca. Não podem afastar-se. As recordações passam de pais para filhos. Feitas as contas, é o mundo: uma interminável batalha de memórias contrastantes." 

"Quanto mais não fosse, à força de devorar quantidades industriais de ficção escrita com os pés, aprendeu, da forma mais eficaz, o que era um romance mal escrito."

20 comentários:

  1. seja ditado ou dum rascunho... tendo em conta que a origem é japonesa, não deve ser muito facil escrever um livro!

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  2. Quando há dias pesquisei sobre este livro, encontrei uma sinopse. Ficou-me(nos) a dúvida de como a Aomame utilizava "o seu corpo" para matar (se com o picador de gelo na ponta dos dedos, ou se de outro modo). :))
    Será que já chegaste a uma conclusão ? :))
    .

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    1. RUI, para lá de professora de artes marciais, Aomame também é massagista e tem uma sensibilidade especial na ponta dos dedos, daí que utiliza a tal espécie de picador de gelo, com uma agulha fina na extremidade, que espeta num ponto específico da nuca das vítimas, de modo a provocar-lhes morte imediata e sem vestígios, aparentando uma morte natural! Ou seja, é um 'modus operandi' pouco comum e impraticável pela maioria dos mortais... :)

      Mas pronto, tal como te disse, é assim que ela mata no primeiro livro, em relação aos restantes não sei se escolhe outras "armas", pressupondo que a "matança" não vai ficar por aqui... :D

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    2. No teu último desafio, Teté, graças à dica do Rui fiquei a saber que um dos textos era do livro 1Q84.

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    3. Pois, estava a lê-lo na altura, EMATEJOCA! Porque mesmo que a leitura seja sôfrega, 487 páginas ainda demoram alguns dias a ler, a não ser que não se faça mais nada... :)

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  3. Anónimo1/22/2013

    Adorei a triologia. Li os dois primeiros no Verão e o último acabei-o nos primeiros dias de Janeiro. Aliás, tornei-me fã da literatura japonesa graças a Murakami, mas sobre isso darei mais notícias amanhã no On the rocks

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    1. Bom, se os restantes forem tão bons quanto este, será sem dúvida o meu livro do ano, CARLOS! :)

      Amanhã lá irei espreitar ao "On the rocks"! :D

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    2. O Carlos já nos tinha dito maravilhas sobre esta obra de Murakami na sua rubrica "Leituras de Verão".

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    3. É possível, EMATEJOCA! Mas este já estava debaixo d'olho há uns tempos... :)))

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  4. Esta triologia está na minha lista de compras mas como já te disse tenho vários livros do Murakami na estante à espera que lhes pegue ;)

    Beijinhos,
    FATifer

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    1. Bom, também tenho mais um na estante de Murakami para ler, FATIFER, mas agora estou deserta de ler o 2 desta trilogia... :)

      Beijocas!

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  5. Estão os 3 na minha lista, ainda não comprei nenhum porque tratando-se de uma trilogia quero comprá-los todos ao mesmo tempo e lê-los de seguida, mas quase 60€, são quase 60€ eheheh

    No entanto tenho um livro dele que começei e não acabei... :p

    Beijinho senhora leitora :)

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    1. Por essas e por outras é que não comprei os 3 de uma vez só, MARIA! Quer dizer, também porque se por acaso a leitura não me agradasse, escusava de gastar dinheiro com os restantes... :)

      Gostei do primeiro livro que li dele ("Sputnik, Meu Amor"), mas não me entusiasmou tanto como "A Sul da Fronteira e a Oeste do Sol" ou este... :D

      Beijocas!

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  6. Vou ter de ler... Até agora, de Murakami, só li "O elefante evapora-se" (contos) de que gostei muito.

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    1. Esse por acaso tenho na estante e ainda não li, LUISA! Gosto de ler contos, mas especialmente nas férias, provavelmente vou guardar para essa altura... :)

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  7. Este é um livro que deve fazer parte da nossa biblioteca.
    : )

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    1. Bom, este já está na minha, faltam os dois seguintes, CATARINA... :)

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  8. Tenho muita curiosidade em ler esses livros, lembro-me que li o "Sputnik Meu Amor" já há uns anos, ainda nem se ouvia falar muito deste escritor, mas lembro-me de ler o livro em duas vezes porque a escrita é mesmo cativante :)

    Beijocas Teté

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    1. Pois, também li "Sputnik, Meu Amor" já há alguns aninhos, POPPY, mais propriamente no final de 2008, o escritor ainda não era tão badalado. De então para cá e de cada vez que leio um livro dele, mais gosto da sua escrita e criatividade... :)

      Beijocas!

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Sorri! Estás a ser filmad@ e lid@ atentamente... :)