domingo, 27 de novembro de 2011

A TORCER PELO FADO

A primeira vez que tive vontade de ouvir fado, era ainda adolescente. Até então nunca tivera apetência por aqueles trinados que competiam com as guitarras portuguesas e violas, em que pairava no ar um som pungente e nos versos o desalento de amores não correspondidos. Surpreendentemente, ali não havia nada disso: a pequena tasca, numa rua de Albufeira de outras eras, estava apinhada e uma multidão rodeava a porta pretendendo entrar. Não havia silêncio, como manda a tradição! A cada quadra seguiam-se sonoras gargalhadas, partilhadas pelos clientes efetivos e por todos os que estavam no exterior - cantava-se à desgarrada, com humor e brejeirice q.b.! Lógico que me fiquei pela vontade...
  
Uns anos mais tarde, um grupo de amigos que queria mostrar a Lisboa típica a umas turistas irlandesas, convidaram-me para uma noite de fados, desta vez no "Luso". Aquele fado à séria, com mulheres enroladas em xailes pretos, que de cabeça erguida, arremedos dramáticos e voz sonante iam desfiando os seus rosários de amargos destinos? Não me apetecia nada, não conhecia as tais irlandesas nem  mais gordas nem mais magras, recusei com a desculpa que um jantar no famoso restaurante estava fora do meu bolso de estudante. Ripostaram que não, que não íamos jantar mas só petiscar, caldo verde, uns chouricinhos assados e mais umas coisinhas, que saía tão caro como uma boatada e sempre era um programa diferente (ainda pensei: "pois, mas na boîte sempre danço", mas já não tinha como recusar). Preparei-me para um grande frete, mas adorei cada minutinho dessa noite! Comovi-me com alguns poemas e vozes e até dancei... com um rancho folclórico.

Fiz as pazes com o preconceito de "detestar fadunchos", embora ainda pense que grande parte da sua mística se perde fora dos ambientes noturnos e nostálgicos onde ele tem lugar cativo, à media luz, entre alguns petiscos ou umas boas garfadas numa refeição da cozinha tradicional portuguesa, simultaneamente bem regados. Só aí soa bem e "cheira" a Lisboa!

Voltei algumas vezes (poucas) a esses ambientes, em terras algarvias nunca mais lhe vi a cor.  Aliás, a tal tasca deixou de existir há muito e, talvez uns 15 anos depois dessa primeira apetência, encontrámos por lá um grande cartaz à porta de um outro estaminé, anunciando a atuação de uma artista. Não me lembro ao certo do seu nome artístico, mas era qualquer coisa como Lolita Amália, uma "fadista salerosa" que cantava o fado vestida de sevilhana, enquanto dançava salero ou flamenco ao som das castanholas. Rimos até às lágrimas, mas resistimos à "tentação" de assistir ao espetáculo...

Já agora, sabem quem pintou o quadro, não sabem?

Imagem da net, do quadro de José Malhoa, "O Fado" (1910), como todos sabiam. (ADENDA a 28/11/2011, a vermelho)

20 comentários:

  1. Anónimo11/27/2011

    Ora aqui está um post que me fez sorrir.
    Cresci com o fado.
    Cá em casa, não há cantores, mas a minha avó adorava Amália e cantava a toda a hora,conseguindo, como é óbvio, que os 3 netos se apaixonassem.
    No meu grupo de liceu a paixão aumentou ainda mais porque muitas vezes nos sentávamos a cantá-lo, ao som de uma guitarra.
    A primeira vez que entrei numa casa de fados (primeira e última, aliás), foi em Viseu, no tempo da faculdade. Era uma casa pequenina onde o fado era calorosamente acompanhado de caldo verde. Foi uma noite memorável, até porque estava acompanhada por uma grande amiga que já partiu.
    Se pudesse, era cliente habitual de casas onde o fado encanta. Não podendo, vou-o ouvindo por casa, sempre que quero matar saudades.
    Ah...não perdi o musical de Amália, como é óbvio!:)
    Beijinhos mil e um excelente domingo

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  2. Anónimo11/27/2011

    Entusiasmei-me tanto que me esqueci de responder ao desafio.:)
    Mal vi a pergunta, fui ao google pesquisar (sem batota!:)).
    Tem nome de cantor, este senhor.:)
    A tela data de 1910 e está, neste momento, no Museu do fado.:)
    beijocas

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  3. Revejo-me perfeitamente neste post ! Também, por preconceito, sempre pensei que o Fado fosse coisa para velhos e pessoas incultas, enquanto me limitava a "ser obrigado" a ouvir alguns bocados na rádio ou na TV, até ir a uma "Casa de Fado" jantar e ouvir fado.
    Cheguei a uma conclusão : o Fado não é para ouvir apenas. É para ver, ouvir e sentir ! A partir daí fiquei fã do Fado (desde que bem cantado) !
    A partir daí digo sempre : vamos "ver" Fado ?
    O quadro ?... como desconhecer essa maravilha ?...
    .

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  4. Neste momento, 27/11, às 12,40, o Fado já é Património Mundial, decisão aprovada no comité governamental da Unesco, há poucos minutos !

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  5. Ganhamos, Teté! Também estava a torcer. ;) E este, José Malhoa, é dos poucos artistas que, juntamente com Paula Rêgo, consigo reconhecer de imediato as suas obras. :p
    Beijinhos e bom domingo de sol

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  6. Sempre gostei do fado! E até gostava de o cantar... sem saber cantar! O fado de Coimbra, esse sentia-o com grande emoção. Do “meu” grupo, creio que era uma das únicas que gostava desta melodia sempre tristonha, que fala de amores mal correspondidos, de infidelidade, de melancolias sem fim... : ).
    Há uns anos fui a uma casa de fados em Lisboa. Não me recordo do nome dos fadistas. Lembro-me apenas que a galinha pedida estava mal passada. Não a comemos. Aqui tê-la-ia devolvido e outro prato teria sido pedido “at no extra cost”! mas lá não o fiz.
    Havia alguns “turistas” – estrangeiros e nacionais – que continuavam a falar enquanto a fadista tentava o seu melhor. Um senhor pegou no microfone e muito educadamente “informou” que o fado se ouve em silêncio.
    Hoje, enquanto “blogar” vou ouvir fados no youtube! : )
    Abraço

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  7. Eu quase que arriscava que foi o Malhoa :) Eu sou um amante incondicional de fado. Não sei bem o que é ser património Imaterial da Humanidade, mas é giro, é sim :)

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  8. Anónimo11/27/2011

    O quadro é do Malhoa, obviamente! Quanto a Fado, habituei-me a ouvi-lo na Cesária, tasca "mal" frequentada de uma Lisboa que já foi de noites castiças. Gosto de Fado, mas tenho de o sentir naqueles locais que ainda restam daquela Lisboa de outras eras.

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  9. Ai, NINA, que até me arrepiaste com essa de ter nome de cantor. Quando muito, esse cantor apimbalhado tem o nome do grande pintor... =))

    Pois, na época em que frequentei o liceu, naqueles anos de puro rock, se alguém dissesse gostar de fado ainda era gozado por cima e apelidado de "cafona" (já a "Gabriela" nos ensinava novas terminologias brasileiras). Nunca fui muito de rockalhadas (ainda menos da pesada), normalmente prefiro música mais suave, mas o fado tinha toda aquela conexão de desgraçada, destino fatal, etc. e tal, que não me agradava nem um pouco. Até perceber que no seu ambiente próprio pode ser muito tocante e comovente. É como diz o Rui, fado não é só para ouvir, também é para ver e sentir. :)

    O espetáculo não vi, mas vi o filme sobre ela e gostei!

    Beijocas!

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  10. Concordo perfeitamente contigo, RUI: o fado é para ver, ouvir e sentir no ambiente próprio, que fora dele não tem a mesma mística! :)

    Se puseres a palavra fado no Google e pedires imagens, é logo a primeira que aparece, mas este quadro imaginava que todos conhecessem! :))

    À hora do anúncio já estava a preparar o almoço, que tinha cá a família a almoçar, de modo que só soube um pouco mais tarde! Valeu a pena a "torcida"! :D

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  11. Pois, desta vez a "torcida" de (quase) todos nós valeu a pena, TONS DE AZUL! :D

    Concordo que Paula Rêgo se reconhece à distância, mas José Malhoa tem alguns contemporâneos que pintavam dentro do mesmo estilo, não me parece tão fácil para quem não conheça. Este, claro, é dos mais conhecidos dele! :))

    Beijocas!

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  12. Do fado de Coimbra gosto menos, CATARINA, sempre cantado por homens e num tom que me parece de falsete. Mas claro, essa temática quase constante de destino fatídico não costuma agradar à maioria dos jovens! Depois, à medida que se vai "crescendo" as coisas mudam... :)

    Estou certa que, hoje em dia, num restaurante que não seja de vão de escada, também podes mandar o prato de volta para a cozinha e pedir outro, quando a comida está mal cozinhada! Mas como cá residem muitos chicos-espertos, já vi uma fulana mamar um prato de amêijoas à bulhão pato e no final reclamar com o dono do restaurante que não estavam capazes. Chamou a polícia e tudo, mas como é óbvio, teve de as pagar. Fiquei sempre na dúvida se não estaria bêbada ou teria algum parafuso mal aparafusado... :D

    E fazes muito bem, é sempre agradável ouvir música que nos agrada, enquanto fazemos outras coisas! ~xf

    Abraço!

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  13. Também não sei bem o que é, VITOR, mas pelo que percebi significa que vai ajudar a ter maior visibilidade e a contribuir para a sua divulgação a nível mundial. E isso é sempre bom, em tratando-se de um "produto" tão tipicamente português! :D

    Que tu eras amante incondicional do fado, já sabia! =))

    E "arriscaste" muito bem! :)

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  14. Exatamente, CARLOS BARBOSA DE OLIVEIRA! Pelos vistos, concorda comigo e com o Rui que o fado tem de ser visto, ouvido e sentido nos locais próprios, para recuperar os sentimentos vividos nessas noites castiças de outras eras, em suma, a sua mágica... :)

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  15. Adoro fado,
    Caso me permitas e não leves a mal aqui deixo um link do meu favorito :)

    http://lopesca.blogspot.com/2007/04/poema-fado-do-cacilheiro.html

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  16. não vou aqui reproduzir o que escrevi no perfil de facebook de um colega sobre o fado. era de mau gosto. mas a voz da Amália... essa está acima de qualquer opinião, mesmo do próprio fado.

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  17. Cada vez gosto mais das tuas crónicas ou histórias, minha cara Teté, sentindo uma invejazinha por não escrever tão bem como tu e, ter de me agarrar ao Pedro Lopes Santana para expressar a minha alegria sobre o sucesso do projecto.

    O quadro do José Malhoa é tão famoso como o próprio fado!!!

    PS: Ao teu comentário de hoje de manhã, deixei no "ematejoca azul" a seguinte resposta, antes de sair de casa:

    É verdade, Teté, que só gosto de música clássica, mas como portuguesa que continuo a ser, fiquei orgulhosa com a decisão da UNESCO.

    Claro que vou continuar a ouvir música clássica e, o Advento sem a música de Bach, não é para mim Advento.

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  18. Claro que há quem adore fado, LOPESCA! :)

    E estás à vontade para deixar os links que quiseres. Depois espreito! :D

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  19. Imagino que não seja música que te cative por aí além, MOYLITO! :D

    Concordo que a voz da Amália daria para qualquer música que ela se propusesse cantar, mas como ela adorava fado, foi essa que escolheu e ajudou a divulgar pelo mundo... :)

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  20. Mesmo não sendo grande apreciadora de fado fora do seu ambiente tradicional, EMATEJOCA, como portuguesa também gostei da decisão da UNESCO e suponho que o mesmo se passará com a maioria dos portugueses. Gostem muito, pouco ou nada de fado! :)

    E sim, já tinha lido a tua resposta!

    O quadro foi uma mera brincadeira, porque basta ires ao Google e pedires imagens de fado e é logo a primeira que aparece, pois, tal como dizes, o quadro é sobejamente conhecido! :D

    Bom mês de Bach para ti!

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Sorri! Estás a ser filmad@ e lid@ atentamente... :)